quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Poemas Tempo - Viviane Mosé

"...e por falar em sexo quem anda me comendo
é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia
porque ele me pegava à força e por trás

um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo
se você tem que me comer
que seja com meu consentimento
e me olhando nos olhos

Acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando."

Fonte: Poemas Chão.Ed. Sete Letras,2001
Tela de Picasso: Femme nue dans l'atelier, 1953

sábado, 5 de novembro de 2011

"Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatros paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeias...

Não há guada-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos."

João Cabral de Melo NetoGravura:Tela de Kirchner (06/05/1880 - 15/06/1938)
 extraido do blog:



Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pág. 79.



sábado, 29 de outubro de 2011

QUASE NADA - Zeca Baleiro


De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei
Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho

Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso
Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo

Noite alta que revele
Um passeio pela pele
Dia claro madrugada
De nós dois não sei mais nada

Se tudo passa como se explica
O amor que fica nessa parada
Amor que chega sem dar aviso
Não é preciso saber mais nada

segunda-feira, 27 de junho de 2011

quinta-feira, 9 de junho de 2011

CLARICE LISPECTOR: ROTEIRO DO INSONDÁVEL

O texto, concebido a partir de ampla pesquisa do autor, cria uma narrativa imaginária com uma das mais importantes escritoras do Século XX. Onde, o desejo, a solidão e a impossibilidade do amor pleno são alguns dos temas dessa peça poética.
 Texto de *Flávio Viegas Amoreira.



Diálogo imaginário com Clarice Lispector.
    
Clarice, o desejo é um risco bom; não tenho para onde voltar depois da liberdade: e a liberdade me joga no redemoinho da paixão. Apesar de ter a doença dos sentidos demais aguçados, elevo-me ao Himalaia desse amor que me perfura: estou em estado de insatisfeito: o amor é coisa intraduzível, mas reparto fragmentos de compreensão: o que importa é que eu não saia ileso. O desejo por onde começo a dizer que quero estar nele, ser por ele, contaminar-me de sua pele é uma aprendizagem. Desejo é a palavra mais linda em qualquer idioma: desejo como quem aprende a andar depois do parto de estar no mundo sem escoras: lanço-me a ele o: Desejo. Agora ele tem cara: semblante de pedra. O amor é pedra onde cinzelo / quanto mais miro, mais turvo, embaço, mas não me cego: a pedra é o impossível que alcanço, o mais próximo do impossível, Clarice, é o homem impreciso: o amor por ele é sufocador, mas continua vago.

Quero viver de tesão com o mundo: nunca ser indiferente, mesmo com ódios passageiros. Amargura é dor carnívora. A felicidade dói, machuca: é um peixe elétrico, viceja. No meu sofrimento há um pátio ajardinado que rego: retenho esse meu afeto e nele acho uma fresta no sufocamento. Não, não Clarice! A nudez desse homem não me basta: é o entendimento do tempo que tiro dele a fórceps o que me sustenta: forjo o que amo, ele vem depois do que já intuía. Sabia desse amor em algum lugar do instante: agora que encontrei a face do meu delírio, remo na maré do próprio dilúvio que joga-me como arca: esse meu amor exige criar um Universo de coisas inexistentes. Abri a porta a um monstro marinho, colhi açucenas de puro aço, injetei força em minha medula adormecida de silêncio: cerrei minhas mandíbulas e segui farejando o absurdo. O amanhecer é improvável, a morte agora é não mais tê-lo: agarrei-me ao amor, à pedra, ao homem: não me rendo até o último gozo desse santo suplício. O homem onde pouso o espírito é um mar que corre nas veias: sabor de maresia que imanto. Amor, Clarice, é impregnar-se de uma galáxia por dentro. Ele é vasto, já não mais pedra o amor: o desejo é montanha: é vereda, eu pastoreio e rebanho.

Há uma geologia íngreme no subterrâneo: na psicologia dos meus dedos: ilumino com a espera as cavernas que ele me causou: escrevo-te Clarice para encontrar o silêncio. Não tenho mais forças para lutar contra o insondável: arrebenta em meu peito acanhado um Atlântico de ondas vertiginosas que me jogam contra toda realidade: a realidade é um sonho que me esqueceu. Estou em estado de praia, de rebentação: o abissal penetra-me agora: tenho coragem de ir ao fundo da coisa que sou eu, mas o eu espalhou-se. O amor reconhece a verdade não no coração, mas na imaginação da felicidade: o coração mentiu muitas vezes e agora não tenho altura para o abismo. Eu vi a Beleza e ela não me cansa de lágrimas: penso conceber o que se passa entre mim e o jogo, mas eis caído num lance inesperado. Eu quero esse amor mais do que o infortúnio de seu desprezo: a questão é o que fazer quando o amor secar de cansado: umedeço. Sei que existe a plenitude dum mergulho, da rosa, do ocaso do Sol no outono: procuro a plenitude Clarice, e lastimo que tudo concorra para desfazer-se: afogo-me, a flor despetala-se saudosa do caule e o crepúsculo me enche de terrores: não é a morte que tememos, é a finitude.

Dizer-te torna-me menos fantasma de palavras: o Destino se interpôs em nossa conversa: o que não é memória é hiato, estou desvelando o amor pela fala: sou impelido a dizer, a tentar reproduzir abstrações tão concretas quanto a lâmina que me fere de não poder: amar tornou-se uma prece de fora para dentro: uma liturgia do recôndito, uma celebração visceral do incompleto, não estou conformado com amputação da minha Alma. Perco-me: sou fluvial, cedo ao leito rubro: navego na torrente precipitando-me desabrido: só não transpasso: essa é a causa do meu desespero sem descanso: não transpasso por nosso espírito não penetrar-se em coito: eu o tenho sem ter , Clarice, o corpo não é ainda o amor, a carne é movediça, meus olhos não fixam o delírio: a fatalidade dessa paixão é não poder ser totalmente outro por inteiro e o inteiro descobri de modo terrível: ele não se permite, o inteiro não existe. Aprendi a trepar com outra Alma. Há essa selva entre o real e o simbólico: toda atmosfera submarina aterrada surta e endoido sem loucura: esse o drama que me alimenta e implode: a paixão é composta de razão excessiva, mas há outra face da razão: a posse do impalpável. Ele é a fruta e o paladar da fruta: minhas vísceras contêm também sua polpa: eu consisto em ser por ele sem estar nele contido: por que não vem a palavra que encerre a angústia: onde adquiro a fragrância do Eterno?

Evito-me as vezes: escapulo de mim, foragido de algum espelho ancestral, busco onde não encontrar o que me foi perdido sem ser percebido. Perceber é longo demais: quase nada tem um diagnóstico certeiro além da própria dor e do grito. Uma vez achei o perfeito: era invisível aos olhos desatentos: o perfeito é quando sentimos não mais querer sentir: dormindo eu sinto, mas quero a dor desperto... o perfeito é rápido como um raio bruto ou a saudade em estado de anestesia. A maçã não amadurecida quedava distendendo-se ao meu apetite: um esplendor! o diabo, Clarice, é a espera da colheita. A culpa de todo meu amor é não contentar-me em ser sóbrio de luz: exorbito implorante: emociono de deixar ele entrar: não amo toda parte, sou raro e apartei um alvo: só me chamo Eu quando ele me afaga: sou Eu quando mais não for além de Eu, ele por dentro tatuado. Ele estendeu o braço e lembrei de ti Clarice, quando dizias sobre os amantes: eu disse a ele “sou tu e eu é tu, nós é ele”. Amo romper a gramática como um dique não contendo a represa: amo em azul, amo num azul muito delicado, o azul cobalto. Agora desnudo o que antes inexistia. Despojo-me do que antes não tinha: me totalizo: desnudei-me numa clareira da floresta escura: não fugir da sombra é o maior sinal de luz / a raiz sofre ao rasgar-se semente: da unidade ao fragmento, deitamos sementes de nossos corpos-raízes: sou primordial: tornei-me bromélia: o poeta mora onde se entrega amor, a pedra subjaz: dissolveu-se sedimento liquefeito. Esquecer é não ter vivido: se não tivesse nascido por onde perambulava o que é em mim existido?

Clarice, estranho-me: quem somos quando escrevemos? a máscara ou o rosto distorcido? Tenho a memória da terra, o Mar ejacula / corrosão da pedra / pomo / faca sem gume / fui alcançado por um distanciado farol da torre: eu presumo, não penso: pensar é certeiro, e nada acerta quando buscado: o sentido é outro que o da fonte. Sou amado como seiva esvaída em transe: os ossos desse amante salgam minha pele distendida: castelo de proa / assovios de navios na noite do Tempo: é noite do Tempo: o Espaço é clarabóia / mansarda acolhendo Vida: o que é Vida, Clarice? senão rastilho de pólvora. Confesso um segredo com meus membros em água viva: Clarice, confesso: meu amor é um navio sem rota cortando caminhos por minha artérias de zinco: cada célula de que sou composto tem um núcleo exalando sentimento. Esgotarei a existência até a última seiva e haverá gotas que jorrarão meu Eu e o amor que experimentei nos elementos: nosso acalanto terá aparência de ciclos entre a chuva e o trovão. Escrever é poder dizer num relógio d´água tudo que não sei explicar: precipito-me de novo ao penhasco: queria tornar-me Oceano para libertar-me da paixão: rasgo com meus músculos impotentes o cruel muro da prisão: a paixão por ele tem sido minha prisão. Todas paixões são prisões: recomeço escalar o muro: o penhasco: agora quero ser calmo: quero ser contemplação: cansei da paisagem: eu o carrego amando sem mais muros. Conheci o amor numa tarde: agora meu futuro é sempre 2 horas da tarde. Alcancei a esfera: a esfera, o círculo que não domino não sou mais eu, nem ele que ainda amo, o cerne, a essência é a busca da libertação, estou no aprendizado da libertação, Clarice: libertação é espremer o que passa: busquei o total, o total não fica nunca pronto: então choro com o milagre do que passa: dos amassos que dou na existência: transo de espírito para o espírito: o dele é azul também.

Dois nunca são um; amor é areia que junto para arquitetar um castelo que desmancha, mas ainda assim volta a ser Oceano-Mar. Somos rochedos vizinhos: o sal semeia esbatendo em nossas ilhas que se lambem de partida. Rochedos, mesmo assim seremos misturados de areia. Não somos mais ilhas: contemos um no outro: somos agora continente.

FONTE: http://revistapausa.blogspot.com/2009/06/clarice-lispector-roteiro-do-insondavel_22.html

* FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA é poeta, contista, romancista e crítico, nascido em Santos em 1965. Com importante atuação no panorama cultural do Litoral Paulista, escreveu os livros Maralto (2002); A Biblioteca Submergida (2003); Contogramas (2004) entre outros. Em 2007, publicou seu romance Edoardo o Ele de Nós.

domingo, 24 de abril de 2011

Fragmento do livro Água Viva -Clarice Lispector

Água Viva é um dos textos mais intrigantes que Clarice escreveu. Vai ao limite do introspectivo e isso provoca em mim sensações que vão do constrangimento de presenciar alguém emocionalmente desnuda à compaixão - também me identifico com sua dores, seus temores e ilusões.Ontem à noite me entupi de Água Viva e agora, resta-me  dividi-la.
 
"O imprevisto improvisado e fatal me fascina.
Já entrei contigo em comunicação tão grande
que deixei de existir sendo. Você tornou-se um eu. É tão difícil
falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso.
Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois?
Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes.
Tais momentos são meus segredos. Houve o que se chama de
comunhão perfeita. Eu chamo isto de estado agudo de
felicidade."

sábado, 23 de abril de 2011

Fragmento do livro Água Viva - Clarice Lispector

"A vida oblíqua? Bem sei que há um desencontro leve entre as

coisas, elas quase se chocam, há desencontro entre os seres que se
perdem uns aos outros entre palavras que quase não dizem mais
nada. Mas quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse
quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um
encontro brusco face a face com ela nos assustaria,
espaventaria os seus delicados fios de teia de aranha. Nós
somos de soslaio para não comprometer o que pressentimos de
infinitamente outro nessa vida de que te falo."

Fragmento do livro Água Viva, Clarice Lispector, Editora Rocco, 1998.

sábado, 16 de abril de 2011

La vie en close

"nunca cometo o mesmo erro


duas vezes


já cometo duas três


quatro cinco seis


até esse erro aprender


que só o erro tem vez."

Leminski assumia sua humanidade como ninguém: Contagiado de humor, ironia e muito afeto. Era uma receita muito particular - Fazia parte de sua essência. Adoro Leminski e esse meu amor vem de longas datas, vem da infância de minha adolescência.

terça-feira, 15 de março de 2011

ME TIENES EN TUS MANOS - JAIME SABINES

"Me tienes en tus manos
y me lees lo mismo que un libro.
Sabes lo que yo ignoro
y me dices las cosas que no me digo.
Me aprendo en ti más que en mi mismo.
Eres como un milagro de todas horas,
como un dolor sin sitio.
Si no fueras mujer fueras mi amigo.
A veces quiero hablarte de mujeres
que a un lado tuyo persigo.
Eres como el perdón
y yo soy como tu hijo.
¿Qué buenos ojos tienes cuando estás conmigo?
¡Qué distante te haces y qué ausente
cuando a la soledad te sacrifico!
Dulce como tu nombre, como un higo,
me esperas en tu amor hasta que arribo.
Tú eres como mi casa,
eres como mi muerte, amor mío."

sábado, 5 de março de 2011

UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES

"Existe um ser que mora
dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que
apesar de inteiramente selvagem — pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe
puseram rédeas nem sela — apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma
doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é
úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e
vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo
daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta
chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura
e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e
vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é
a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o
excesso de doçura do que é isto pela primeira vez".

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

PENSO E PASSO - Alice Ruiz

Quando penso
que um palavra
Pode mudar tudo
Não fico mudo
Mudo

Quando penso
que um passo
Descobre o mundo
Não paro o passo
Passo

E assim que
passo e mudo
Um novo mundo nasce
Na palavra que penso.