sexta-feira, 21 de março de 2008

A comodidade da alma

Trecho de uma carta de Clarice Lispector a uma amiga. É comovente e bela a lucidez com que ela reconhece o quanto é difícil permanecer fiel a si mesmo e o preço alto que pagamos pela ousadia de buscar o que julgamos ser nosso. Acredito que a convicção inabalável do que nos pertence é nosso salvo-conduto para não desistirmos de nossos sonhos e de nós mesmos e principalmente não nos acomodarmos diante de uma vida sem sentido só porque é menos doloroso. Só pra arrematar esta frase dela diz tudo: "quem sabe de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem!?" A minha eu não sei... Quem sabe?!

“1947 Berna - Suíça "Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma". Clarice”. Amo Clarice

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